domingo, 26 de dezembro de 2010

Jesus não nasceu em Belém

De volta aqui no Blog, um dia ápos o Natal, encontrei uma matéria antiga muito legal na revista Superinteressante. Com o olhar científico, a história e a arqueologia "desencavam" um Cristo bem diferente daquele que foi descrito pelos evangelhos. Mostram que existiram 2 Jesus, que ele não nasceu em Belém - e nem no dia 25 de dezembro, teve vários irmãos e que sua morte passou quase despercebida no Império Romano. 
Não, o Natal não é o dia do nascimento de Jesus.

Vista do céu no avião. (Foto: Arquivo Pessoal)

As 20 melhores matérias da história da Superinteressante, Ed. nº 234,
Texto de Rodrigo Cavalcante

QUEM FOI JESUS?

Foi um dia de trabalho como outro qualquer. Depois da festa da Páscoa do ano 3790 do calendário hebraico, a maioria dos camponeses seguia sua rotina normalmente, assim como os coletores de impostos, os pescadores, os soldados romanos, os carpinteiros, os sacerdotes e as prostitutas. Em Jerusalém, contudo, algumas pessoas deviam estar comentando o tumulto do dia anterior, que resultou na morte de um judeu. Nada que não estivessem acostumados a ouvir. Naquele tempo, a cidade já era palco de conflitos político-religiosos sangrentos e quase sempre algum agitador morria por incitar a rebelião contra os romanos, que governavam a região com o apoio da elite judaica do Templo de Jerusalém. Dessa vez, o fuzuê foi causado por um judeu camponês chamado Yeshua (Jesus em hebraico), que foi aprisionado e condenado à morte por ter desafiado o poder romano e o templo em plena Páscoa. “Se você quisesse chamar a atenção de multidões para as suas idéias, essa era a data ideal”, afirma Richard Horsley, professor de ciências da religião na Universidade de Massachusetts e autor do livro Bandidos, Profetas e Messias – Movimentos Populares no Tempo de Jesus. “A festa tinha um forte conteúdo político, já que comemorava a libertação dos hebreus do Egito, que agora estavam sob o domínio dos romanos.”

No meio da multidão (imagine a cidade paulista de Aparecida do Norte em dia de peregrinação), pouca gente deve ter se comovido com a prisão e morte de mais um judeu agitador – a não ser um punhado de parentes e amigos pobres. Mas nem eles poderiam imaginar que a cruz em que Jesus pagou sua sentença seria, no futuro, o símbolo mais venerado do mundo. Da Basílica de São Pedro, no Vaticano, à igrejinha da Assembléia de Deus encravada no interior da floresta Amazônica, a cruz se tornou o símbolo de fé para mais de 2 bilhões de pessoas em todo o planeta. Sua morte dividiu, literalmente, a história em antes e depois dele. Mas, afinal, quem foi Jesus?

Pode parecer estranho, mas para os estudiosos há pelo menos dois Jesus. O primeiro, que dispensa apresentações, é o Cristo (o ungido, em grego), cuja história contada pelos 4 evangelistas deixa claro que ele é o enviado de Deus para salvar os homens com a sua morte. Os judeus costumavam sacrificar animais como cordeiros no templo para se purificarem. Ao morrer na cruz, Cristo torna-se o símbolo do cordeiro enviado por Deus para tirar o pecado dos homens e do mundo.
O outro Jesus, já citado no início da matéria, é Yeshua, o homem que morreu sem chamar muita atenção dos cidadãos do Império Romano. Além dos evangelhos – que não podem ser considerados fontes imparciais de sua vida, já que foram escritos por seus seguidores – há apenas uma menção direta a ele citada pelo historiador judeu Flávio Josefo, que escreve sobre sua morte no livro Antiguidades Judaicas, feito provavelmente no fim do século 1.

Para os pesquisadores, essa falta de citações seria um indício da pouca repercussão que Jesus teria tido para os cronistas da época. “Se existisse um grande jornal em Israel no tempo de Jesus, sua morte provavelmente seria noticiada no caderno de polícia, e não na primeira página”, diz John Dominic Crossan, professor de estudos religiosos da Universidade de Paulo, em Chicago, EUA. Autor dos livros O Jesus Histórico – A Vida de um Camponês Judeu no Mediterrâneo e Excavating Jesus – Beneath the Stones, Behind the Texts (“Escavando Jesus – Por Baixo das Pedras, por Trás dos Textos”, inédito no Brasil), ele diz que a escassez de fontes diretas sobre Jesus não significa que seja impossível recompor a vida do homem de carne e osso – e não apenas do mito – que morreu em Jerusalém. “A interpretação correta dos textos históricos e a arqueologia estão trazendo surpreendentes revelações sobre o Jesus histórico”, afirma Crossan.

Uma dessas revelações pode estar contida numa pequena caixa de pedra cor de areia encontrada em Jerusalém com uma inscrição feita em língua e caligrafia de 2 mil anos atrás. Ao lê-la em aramaico, da direita para esquerda, como a maioria das línguas semitas, está escrito inicialmente “Yaákov, bar Yosef”, ou seja: Tiago, filho de José. E continua, mais desgastada, “akhui di...” irmão de “Yeshua”, Jesus. Isso mesmo. Segundo André Lemaire, especialista em inscrições do período bíblico da Universidade de Sorbonne, em Paris, há uma alta probabilidade de que essa pequena caixa tenha sido usada para guardar os ossos de Tiago (são Tiago, para os católicos), o mesmo do Novo Testamento, já que a possibilidade de que a associação entre esses 3 nomes seja uma referência a outras pessoas é estatisticamente baixa.

Apesar de não ter sido encontrada num sítio arqueológico (como foi comprada por um colecionador num antiquário, os riscos de fraude seriam maiores), ela poderá se tornar a primeira evidência material associada a Jesus. “Caso fique provado que a inscrição é verdadeira, a descoberta levantará uma série de novas questões”, diz Crossan. “Vamos ter que nos perguntar, por exemplo, se termos como irmão e pai significam exatamente o mesmo que hoje: pai e irmão de sangue.

Apesar de o Evangelho de São Mateus, no capítulo 13, versículos 55-56, citar: “Porventura não é este o filho do carpinteiro? Não se chamava sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas: e suas irmãs não vivem elas todas entre nós?”, a Igreja sempre pregou aos fiéis que irmão e irmã, nesse caso, significavam apenas primos ou um forte vínculo de amizade e companheirismo entre todos os que faziam parte de um grupo. “Como esse é um campo cheio de fé e paixões, a busca do Jesus histórico sempre foi um desafio”, diz André Chevitarese, professor de história antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos maiores especialistas sobre o tema no país. “Enquanto um religioso conservador ressalta a dimensão espiritual da figura de Jesus, um teólogo da libertação vai buscar nele sua atuação como um revolucionário político.”

Mesmo que a diversidade de visões de Jesus seja proporcional ao número de igrejas, correntes e seitas que existem em seu nome, historiadores e arqueólogos estão conseguindo reconstituir como era o mundo em que ele vivia: um retrato fascinante da política, da religião, da economia, da arquitetura e dos hábitos cotidianos que devem ter moldado a vida de um homem bem diferente daquele retratado pelas imagens renascentistas que povoam a imaginação da maioria dos cristãos. A começar pela aparência. Baseados no estudo de crânios de judeus que viviam na região na época, os pesquisadores dizem que a fisionomia de Jesus deveria ser mais próxima da de um árabe moderno. “Em tempos turbulentos como o de hoje, ele provavelmente teria dificuldades de passar pela alfândega de um aeroporto europeu ou americano”, diz Chevitarese.

UM PRESÉPIO DIFERENTE

Imagine que neste Natal você pudesse entrar numa máquina do tempo para visitar Jesus recém-nascido. Se isso fosse possível, você teria algumas surpresas. Ao programar a engenhoca para o ano zero, provavelmente você iria se deparar com um menino de 4 anos. É que Jesus deve ter nascido no ano 4 a.C. – o calendário romano-cristão teria um erro de cerca de 4 anos. Tampouco adiantaria chegar a Belém no dia 25 de dezembro. Em primeiro lugar, porque ninguém sabe o dia e a data em que Jesus nasceu. O mês de dezembro foi fixado pela Igreja no ano 525 porque era a mesma época das festas pagãs de Roma. E o segundo problema é que provavelmente Jesus não nasceu em Belém. “Há quase um consenso entre os historiadores de que Jesus nasceu em Nazaré”, diz o padre Jaldemir Vitório, pesquisador do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, em Belo Horizonte.

Então por que o evangelho de Mateus diz que o nascimento foi em Belém? Vitório explica que o texto segue o gênero literário conhecido por midrash. Basicamente, o midrash é um forma de contar a história da vida de alguém usando como pano de fundo a biografia de outras personalidades históricas.

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