quinta-feira, 9 de junho de 2011

Atestado de incompetência

Descaso? Desprezo? Despreparo? Inadvertência? Irreflexão? Ou defesa dos próprios interesses? Para mim, a votação do Código Florestal há pouco mais de duas semanas foi simplesmente um atestado de burrice. É vergonhoso e desanimador ver que nossos representantes em Brasília estão se vendendo por uma promessa de crescimento e de dinheiro sem enxergar o amanhã. Não tendo minimamente noção do básico, de que sem a preservação ambiental - que praticamente acaba com as novas regras - não existe agricultura em lugar nenhum.

Foto: sindaspisc.org.br

O QUE MUDA COM O NOVO CÓDIGO FLORESTAL
Principais pontos

Rios antes, que deveriam ter no mínimo 30 metros de área preservada - sendo que áreas desmatadas deveriam ser recuperadas. Agora devem ter apenas 7,5 metros no mínimo, sendo que o Estado fica livre para propor outras medidas.

Antes, a Área de Preservação Ambiental (APA), áreas de encosta, topos de morros e várzeas eram regiões de preservação permanente, ou seja, não poderiam ser desmatadas. Agora, cada Estado poderá propor plantio em encostas e topos de morros de acordo com a necessidade. Áreas de várzea não são mais consideradas de proteção permanente e podem, quando necessário, ser utilizadas para fins agropecuários.

Antes, a APP (Área de Proteção Permanente) não fazia parte do cálculo da reserva legal. Com as mudanças, essas áreas podem ser descontadas do cálculo da reserva legal obrigatória.

Antes, todo proprietário rural era obrigado a manter no mínimo 20% da propriedade com vegetação original; na Amazônia, o percentual era de 80%. A recuperação de áreas desmatadas era feita com espécies nativas. Agora, propriedades de até quatro módulos rurais (diferente em cada região do País) não precisam de reserva legal. Dependendo do caso, propriedades no cerrado amazônico podem ter apenas 20% de reserva. A recuperação da área pode utilizar espécies exóticas.

Com o antigo Código, todo proprietário precisava registrar a área de reserva legal e, em caso de devastação, era obrigado a recompor a área de proteção estando sujeito à multa e a outras sanções. Agora, estão proibidos “novos” desmatamentos durante cinco anos, mesmo período em que cada Estado definirá programas específicos para o tema. A princípio os proprietários estão desobrigados de recuperar áreas desmatadas até julho de 2008.

Antes, eram previstas multas e sanções econômicas para o proprietário que não respeitasse a legislação. Com as modificações nas regras, o proprietário poderá ter até 20 anos para recuperação de áreas desmatadas, além da possibilidade de compensação ambiental em outras áreas, substituindo multas e sanções.

Foto: Divulgação

RESULTADOS POLÍTICOS (?)

Tenho curiosidade em saber a posição sobre o assunto dos mais de 1,3 milhões de eleitores do palhaço Tiririca, dos mais de 140 mil que votaram no ex-jogador de futebol Romário. Ou no ex-boxeador Popó. Todos votaram pelo sim. Nem o ator e deputado Stepan Nercessian se salvou, e votou de modo favorável a mudança.

Muito provavelmente a grande maioria desses eleitores nem sabem ao certo o que está acontecendo.
Só pude dar risada quando escutei um deputado afirmar que o Brasil gritava "Aldo, Aldo, Aldo", já que todas as pessoas que questionei também não sabiam da questão.

Mas, para esses deputados, os votos da bancada ruralista estão garantidos. Com certeza.

MUDANÇAS SÃO VÁLIDAS
Desde que feitas com prudência

Não estou dizendo que a agricultura não é necessária - pelo o contrário, o Brasil precisa dessa fonte econômica. Ou que as mudanças no Código Florestal não possam ser feitas. Mas, de forma sustentável, respeitando o meio ambiente. E, do modo que está sendo executado, as modificações não estão sendo prudentes.

Uma das principais reclamações das lideranças do agronegócio à legislação ambiental é de que ela não teria fundamentos científicos. Para Alysson Paulinelli, professor aposentado da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e ministro da Agricultura no governo Ernesto Geisel, “O novo Código tem muita opinião e pouca, ou quase nenhuma, base científica”, afirmou. Para ele, as discussões sobre o tema nos próximos anos precisam ser pautadas por mais conhecimento acadêmico para que as novas normas e regras sejam, de fato, eficientes e evitem os “achismos” que hoje estão no Código Florestal. “O achismo é empirismo, e conhecimento se faz com ciência e tecnologia. Cerca de 90% das alterações no novo código florestal foram feitas na base do achismo”, criticou. Na opinião de Paulinelli, que também foi secretário de Agricultura de Minas Gerais e supervisionou a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), “sustentabilidade não significa intocabilidade”. “Intocabilidade ambiental é ilusão. O mundo está crescendo e o Brasil será o grande celeiro da produção de alimentos da humanidade assim que souber usar, manejar e preservar melhor seus biomas”, explicou.

Para tanto, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciência (ABC) apresentou um estudo em um seminário dia 22 de fevereiro deste ano, em que trouxe argumentos técnicos em defesa de áreas protegidas pela legislação atual e rebate vários dos argumentos de ruralistas.

Esse estudo reforçou a necessidade de proteger e restaurar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) – e não reduzi-las, como está previsto no código aprovado. O documento dos pesquisadores confirma que as APPs são “insubstituíveis” não só para populações urbanas e rurais, como para a própria produção agropecuária, ao prover serviços ambientais como polinização, controle de pragas, de doenças e de espécies exóticas invasoras.

De acordo com o estudo, as APPs têm “reconhecida importância na atenuação de cheias e vazantes, na redução da erosão superficial, no condicionamento da qualidade da água e na manutenção de canais pela proteção de margens e redução do assoreamento”. Destaca também a importância das APPs nas margens de corpos de água e em encostas também para evitar as tragédias que o País tem vivido por causa de enchentes e deslizamentos.

REPERCUSSÃO INTERNACIONAL

No mundo inteiro a notícia está repercutindo. O site do espanhol 'El País' destaca a possibilidade de 'anistia aos destruidores da selva amazônica' gerada pelo projeto e pela emenda 164.
Já o Washington Post aponta que a aprovação diminuiria as restrições sobre os pequenos agricultores e ressaltou os temores dos ambientalistas de que a medida aumente o desmatamento.
O francês 'Le Figaro' descreveu o Código Florestal como um 'projeto polêmico que diminui a proteção da Amazônia e das vastas florestas do país', e destacou a facilidade com que as propostas foram aprovadas, com 410 votos a favor.

RESULTADOS À LONGO PRAZO

Talvez muitos desses infelizes não verão os resultados futuros dessa aprovação. Mas a nova geração vai sofrer sim as consequências. Momentaneamente eles agradaram a bancada ruralista. Mas a natureza sabe dos seus direitos.

Fontes:
G1, Vestibacesso, SOS Florestas, Imaflora, SBPC Net

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