terça-feira, 21 de julho de 2009

O filho do assobiador

No primeiro dia de aula, cada aluno tinha que se levantar, em ordem alfabética, e dizer quem era. Como se chamava, se tinha irmãos, quem eram seu pai e sua mãe e o que seu pai fazia. Naquele tempo, era raro mãe fazer alguma coisa além de cuidar da casa. Só quem tinha profissão era o pai.

E o garoto disse a profissão do pai:

– Assobiador.

Foi uma gargalhada geral. A professora também riu. Depois disse:

– Não. Qual é a profissão do seu pai?

– Assobiador.

Mais gargalhadas. Foi quando o garoto descobriu que era diferente.

Que seu pai era diferente. Tinha uma profissão que nenhum outro pai tinha.

Assobiador, aquilo era profissão? A partir daquele dia, o Ademar, cujo pai era fiscal da Receita, passara a chamá-lo de Fiu Fiu.

***

Os pais dos outros tinham profissões normais. Nenhuma risível. E ele mesmo começou a desconfiar: o pai ganhava mesmo a vida como assobiador? Sabia que ele fazia shows, se apresentava em programas de auditório do rádio, às vezes ficava semanas fora de casa em excursões artísticas. Mas ganharia o suficiente para sustentar a família com aquilo, só com aquilo? Assobiando Granada e Fascinação e imitando passarinho?

***

O garoto perguntou ao pai se aquela era a sua única profissão. Assobiador. O pai disse que era. Que já trabalhara no comércio, mas como era um bom assobiador desde criança resolvera investir no seu dom. Não ganhava muito, mas dava, sim, para sustentar a família. Por quê?

– É que na escola riram de mim quando eu disse o que o senhor fazia.

O pai sorriu. Disse:

– Não é vergonha nenhuma ser filho de assobiador.

Mas quando teve que responder de novo o que seu pai fazia, o garoto disse:

– Médico.

Em outra ocasião:

– Advogado.

E começou a inventar profissões para o pai, variando de acordo com o interlocutor. Engenheiro. Contador. Dono de revendedora... Aos 18 anos, antes de levar sua primeira namorada séria para conhecer os pais, ele avisou em casa:

– Papai, para todos os efeitos, o senhor é cirurgião dentista.

E quando, durante a visita da namorada, o pai perguntou se ela não queria ouvir sua imitação de canário, pulou da cadeira e disse “Não!”

***

O pai participou de um programa de TV em cadeia nacional e foi uma sensação assobiando o Bolero de Ravel com acompanhamento de grande orquestra. Dias depois, ele encontrou na rua seu ex-colega de escola, Ademar, que exclamou:

– Fiu Fiu! Aquele na televisão não era o seu pai? Genial, cara! Genial!

E depois, como que lamentando a sua vida sem graça, disse:

– Pô, cara. Só posso imaginar como era ser filho de um assobiador, cara. Ter um assobiador em casa, um artista daqueles...

E então ele se lembrou de como, com quatro ou cinco anos, ficava ouvindo o pai assobiar. Sem saber que aquele era um pai diferente dos outros. Apenas maravilhado.

Luis Fernando Verissímo

Fonte: Donna DC § Diário Catarinense § Domingo, 19 de julho de 2009.

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