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domingo, 25 de janeiro de 2015

AQUÁRIO

São Paulo, setembro de 2001


Diz o "UOL Horóscopo" sobre aquário: "Sua função é encontrar meios racionais para que a maior quantidade possível de pessoas possa usufruir de tudo o que foi criado. Usa a racionalidade e confia na mentalidade das pessoas enquanto coletividade. Pode defender soluções violentas para os problemas sociais. Na melhor das hipóteses, ele é um inventor, alguém que está sempre adiante de seu tempo, principalmente na moda, na literatura, na política e na história. Nas profissões, está na linha de frente da empresa de tecnologia de ponta, tentando descobrir como fazer com que o maior número de pessoas tenha acesso às descobertas científicas. Também está presente na política, com ideias revolucionárias que podem chocar os mais conservadores". 

São Paulo é aquário. De cultura, carros, cimento e gente procurando alento. Elemento ar (poluído), cores azul-céu (nunca visto) e o negro-azulado (talvez a verdadeira cor de seu firmamento). Uma aquariana que não tem mais água e seus peixes (que vem em seguida no zodíaco).

Acho que gosto de São Paulo (gosto de São João, gosto de São Francisco e São Sebastião). Da gastronomia, do sotaque, dos espetáculos, do Tricolor Paulista e da minha querida tia, na rua da Simpatia.

Mas o copo da cidade anda meio vazio. Sampa chora (seco) nos altos do Tietê, Cotia, Rio Grande (que anda pequeno), Rio Claro (escuro de poluição), Guarapiranga e Billings. E de presente de aniversário recebe a notícia de que a Cantareira completa duas semanas seguidas de queda no volume de suas represas. Água do volume morto não é água de beber, camará.

É o fundo do poço, é o fim do caminho, já cantava Tom Jobim - que declarou seu amor por São Paulo e, por sinal, também aniversaria hoje. 

É, Tom. Em tempos de mudanças climáticas, onde São Paulo só recebe 35,4% das chuvas de janeiro, talvez as águas de março já não sejam mais a promessa de vida no nosso coração. Talvez tudo o que paulistas mais queiram agora é uma conversa ribeira e o fim da canseira. Água agora é apenas um pingo pingando, é uma conta (a se pagar), é um conto.

É, Sampa. Falta clima para lhe parabenizar pelos 461 aninhos. Só vejo em vista racionamento (ou racionalização, como diz o dicionário do governo, mais bonito). Mas onde está toda a racionalidade nas ações coletivas que seu signo indica? Não dá para acreditar nessas coisas mesmo. 
Só sei que alguma coisa acontece no meu coração quando leio essas lastimáveis notícias daqui de Santa Catarina, onde a água ainda não falta.


quarta-feira, 10 de abril de 2013

O (NÃO TÃO) VERDE GRAMADO DO VIZINHO

Cartas de Londres: 10 dicas locais para Ronaldo Fenômeno

Por Mauricio Savarese* - Blog do Noblat

Sem delongas e com a ajuda de londrinos, deixo dez dicas para o novo morador da cidade entender como são as coisas aqui.




10 - Ronaldo aqui é o português

Caro Ronaldo, os britânicos são leais. Como Cristiano jogou pelo Manchester United, ele tem a primazia. Os debochados te chamam de “Ronaldo Gordo”. Não ligue. Com o tempo eles aprendem. Os respeitosos ainda te chamam de “Originaldo”.

9 - Festas em casa

A noite da cidade é fraquinha. Muitos começam a beber às 17h e param às 23. Alguns arriscam uns clubes onde o clima é mais pesado. Raramente passam das 3 da manhã. Os londrinos preferem ir ao bar e depois festejar em casa. Espaço não será problema para você.

8 - Evite o inverno

O mais frio março em 50 anos. A primeira vez em décadas com neve em abril. Londres não é a capital mais fria da Europa, mas quem tem o Brasil como alternativa não pode hesitar. Nem se compara com sua Madri ou com Milão, onde você já jogou. Parece mais a gelada Holanda -- só que sem as moças bonitas.

7 - Peça desculpas

Não importa se não é sua culpa. Se alguém pisa no seu pé, você pede desculpas. O pisador também. Quem estiver por perto pode acabar entrando nessa. Esse é o esporte nacional. Nem seu status de celebridade o isenta.

6 - Evite americanismos

Quem chama filme de “movie”, como nos EUA, ganha puxão de orelha. Aqui chamam de “film”. O mesmo vale para os doces -- “candy” para os americanos e “sweets” para os britânicos”. Eles detestam americanismos.

5 - Não vá a festas brasileiras

A não ser que haja bon$ motivo$. Não valem a pena.

4 - Contenha-se ao ver microssaias

As moças não se vestem assim porque estão taradas. É só o jeito delas. E eles acham as brasileiras ousadas pelos biquinis... A maioria nem merece uma secada fenomenal, mas é bom saber que olhar demais, aqui, arranca pedaço.

3 - Não olhe demais

Nada envergonha mais um londrino do que um desconhecido olhar diretamente. Como nem todos são fãs de futebol (muitos gostam apenas de rúgbi), não abuse.

2 - Cuidado com as frituras

A comida daqui não é incrível, mas muitos engordam pelo excesso de porcarias, incluindo o tradicional fish and chips e o queijo cheddar. Você sabe que não pode abusar...

1 - Não diga que eles nunca ganharão a Copa

Eles sempre acham que têm chance. O melhor é responder um “pode ser” e mudar de assunto o mais rápido possível. Alta sensibilidade.


* Mauricio Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area. Escreve no Blog do Noblat às segundas-feiras.

terça-feira, 2 de abril de 2013

O Pato

Não é o Feio. Nem o Donald. Não me refiro ao Pato, personagem da escritora Ciça. Não, não estou falando do jogador do Corinthians. Nem chega a ser um Ganso, tal qual o que joga no São Paulo. É um Pato mesmo. Com letra maiúscula.

Quando uma mulher fica grávida, os presentes, bons e ruins, não demoram a vir. A maioria deles, convenhamos, são, digamos, desnecessários. Com minha mãe não foi diferente.

Entre roupinhas e mimos, lá veio um pato (que ainda não tinha letra maiúscula). Pata aqui, pata acolá, fomos ver o que é que há: pateta, comprido, magrelo e desengonçado, abraçava um cobertorzinho. Desaprovado na hora. Pobre pato. Foi deixado de lado, ocupando algum canto empoeirado da casa.

Tom nasceu em pleno inverno, e a mantinha ganhou uso. Sem serventia, o pato acabou parando em um baú com outros bichos de pelúcia, que já haviam pertencido a mim. Eu cresci, mas eles continuaram ali, da mesma forma que os deixei, como se o tempo não tivesse andado.

Tom também cresceu e virou um menino independente: já podia mexer no baú sozinho. Isso é muito importante quando se tem quatro anos. Diria até que fundamental.

E foi aí que ele encontrou o dito cujo. Mesmo com as mãozinhas rasgadas, os velcros soltando, perdendo o já pouco enchimento que tinha, Tom adotou o esmilinguido Pato. Me lembrou a história da filha do cartunista Maurício de Sousa, Mônica, que inspirou a personagem: quando pequenininha, andava para cima e para baixo arrastando um coelhinho amarelo, tal qual o Pato.

Ele almoça e assiste TV conosco, dorme com o Tom. Agora ele é um ser, uma entidade. O Pato usa relógio. Virou crônica.

Mas a "Toy Story" é tal qual a do filme; mudam apenas os personagens. Cruel. O tempo vai passar. O Tom vai crescer. Mas o Pato vai ficar. E a história deles também. Qüén! Qüen!



terça-feira, 4 de dezembro de 2012

FULECO


POR ALVARO OLIVEIRA FILHO

Não sei quanto a vocês, mas eu achei genial o nome da mascote da Copa do Mundo no Brasil. FULECO…

Querem um nome que se identifique mais com a nossa Copa do que este?

Fuleco vai virar verbo, adjetivo, advérbio.

No próximo Enem podem se preparar para conjugar o verbo fulecar: eu fuleco, tu fulecas, ele fuleca, nós fulecamos, vós fulecais, eles fulecam. É questão certa.

Eu, por exemplo, comemorei a escolha do Brasil como sede da Copa.

Acreditei naquele discurso de que a Copa nos ajudaria a tomar vergonha na cara e começar a trabalhar com planejamento por um país melhor.

Acreditei fulecamente quando o ex-presidente Lula garantiu que teríamos estádios moderníssimos sem que fosse gasto um centavo sequer do dinheiro publico.

Conclusão?

Fulequei-me. Mas, sejam sinceros, não fui só eu. Vão dizer que vocês não se fulecaram também?

Fuleco é tão genial, que poderia virar sobrenome do presidente da CBF e do Comitê Organizador Local.

Já imaginaram? José Maria Fuleco.

Seria o máximo. Fuleco pode ganhar o mundo: Joseph Fuleco Blatter… Jerome Fuleco Valcke… Imaginem os cumprimentos: “Senhor Marín, o senhor está com uma gravata muito fuleca hoje”…

Querem fulecagem maior do que demitir o técnico da Seleção, prometer anunciar o nome do substituto em janeiro e refazer tudo às pressas, da noite para o dia?

A cúpula da CBF simplesmente não levara em consideração que haveria uma cerimônia oficial da Fifa neste sábado e que seria um vexame desfulecal a seleção-anfitriã não ter um técnico para representá-la.

Na hora da coletiva para apresentar o novo técnico e o novo coordenador-técnico, o presidente da CBF ainda consegue errar duas vezes o nome de Carlos Alberto Parreira… Presidente, o senhor precisa tomar fulecol para reativar a memória.

Amigos, acreditem, não poderia haver nome melhor.

No futuro, nossos netos e bisnetos poderão pesquisar nos sites: “2014, a Copa do Mundo Fuleca”.

Tenho a impressão de que ainda vamos sentir orgulho deste nome, diferentemente dos padrinhos da mascote, que, de tanta vergonha, fizeram o batismo na calada da noite de um domingo chuvoso.

Não é uma bela fulecagem? É fantástico.

Publicado no diário “Lance!” dia 30/11, repercutido no "Blog do Juca" na mesma data e copiado aqui nesse post de retorno do "Pitaquinhos da Fernanda". Gostaria de uma volta menos Fuleca, mas... É fantástico!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

FORMIGUEIRO

UOL NOTÍCIAS - Grizar Junior/AE




Foto do dia de hoje, 30 de dezembro de 2011, mostra o "movimento" na Praia Grande, litoral sul de São Paulo, e exemplifica como é possível sentir claustrofobia em um local aberto.

domingo, 24 de outubro de 2010

OLHAR DE EMÍLIA

Foto: Divulgação.

Emília é provavelmente uma das personagens mais carismáticas já inventadas por um autor. É engraçado pensar que ela foi criada no início do século XX por Monteiro Lobato, já que seus pensamentos são até um pouco atuais.
Quer dizer, engraçado nada. Ela apenas representa a criança na sua forma mais natural possível. Ela às vezes chega até a assustar por suas frases e é reprendida pelos mais velhos por apenas ser sincera - e muito inteligente. A boneca da Narizinho que ganhou vida é a Emília que existe dentro de todas as crianças.

E hoje, no fim do mês da criança, o possível pensamento da boneca de pano mais famosa do Brasil para essa eleição de presidente. Porque política pode ser sim assunto de criança. Bobo daquele(a) que quer crescer logo, pois não tem época melhor na vida.

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Era uma vez uma bruxa muito má. Certo dia ela resolveu se candidatar a presidência de um certo país com o pretexto de destruir todas as florestas para introduzir uma espécie muito exótica, denominada pelos cientistas políticos por uma sigla.

A feiticeira até tentou mudar a aparência com cirurgias plásticas, para sua fisionomia lembrar a do antecessor, que de nada adiantaram, pois ela continuou sendo uma fealdade.

Nas horas de folga ficava em seu castelo ficava fazendo bruxarias com o número do azar.

E essa instituição foi crescendo e aparecendo. Os animais sumiram. As árvores foram destruídas. Até na lama ela cresceu. As pedras foram tomadas. Rios e lagos, esses não existiam mais - secaram. A biodiversidade sumiu. Os biomas nunca mais foram os mesmos.

A bruxa não parava por aí. Queria mais e mais. Falava em siglas e projetos estranhos que confundiam o povo. Uma semana antes do segundo turno começou a falar em meio ambiente, assunto que aparentemente odeia.

E a bruxa conseguiu o que queria. Ser a candidata da mudança. A mudança retrógrada. Neste momento, institutos de pesquisa afirmam que tudo indica sua vitória. É bom lembrar que dia 31, data das eleições, é Halloween.

* O texto acima não é de autoria de Monteiro Lobato.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Arruda

Uma charge que saiu hoje mesmo no Blog do Ziraldo.
Arruda não deu sorte. Pelo menos com o José Roberto não deu.

E viva o Panetone!

domingo, 6 de setembro de 2009

Maradona com Unhas e Dentes!

Não podemos dizer que a Argentina não jogou bem no sábado passado. Maradona é um exemplo disso e levou o ditado "com unhas e dentes" literalmente.


(Foto: Maicon, Luís Fabiano, Elano, Felipe Melo e Kaká sábado passado, no final do jogo contra a Argentina)
Quem diria que a nossa seleção brasileira iria dar um verdadeiro tango nos Hermanos lá em Rosário, e
ainda por cima fazer a mão de Deus de Maradona ser roída...



É, parece que os astros não estavam com a Argentina nem ontem (1x0 para o Paraguai)!




Fotos: Divulgação.


segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Imagens bizarras - Senado

Depois das mortes bizarras e das quase bizarras (veja matéria clicando aqui), vão imagens bizarras da semana passada:

Fumaça de incêndio próximo à ponte Juscelino Kubitschek, em Brasília, chega ao Congresso Nacional. O fogo estava localizado a cerca de um quilômetro da Esplanada dos Ministérios. Durante o inverno, quando o tempo é mais seco, os incêndios se tornam mais comuns no cerrado. Será que o Sarney se queimou com a opinião pública?


Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o presidente do México, Felipe Calderón, no Palácio do Itamaraty, em Brasília. Ou será que deixaram o Calderón se queimar?


Fotos: UOL Imagens.



A mola


Uma vez a Revista Superinteressante publicou um artigo sobre as 10 mortes mais bizarras do mundo. Teve gente que resolveu se esfaquear para acusar o outro, gente que se jogou de cabeça no asfalto, outro que apagou bita de cigarro na parafina, e um que acendeu um isqueiro dentro de um local explosivo. Teve 2 amigos que colocaram a cabeça para fora do ônibus e bateram em um viaduto, que nem desenho animado. Outro cara resolveu pedalar na pista do aeroporto de sua cidade, distraído pelo som de um cd-player, quando foi atropelado por um avião bimotor.

Outra pessoa queria relaxar na praia e abriu um buraco de 2,5 metros de profundidade para deitar lá dentro. Só que não contava com a ressaca do mar, onde uma forte onda invadiu o buraco. Os banhistas tentaram ajudar com pás de brinquedos, mas não adiantou.
Teve gente que morreu afogada na pia da cozinha.


(Foto: Michael Jackson no videoclipe Thriller)
Pois é. Mas essa lista somente contava casos de pessoas comuns, desconhecidas.
Michael Jackson, por exemplo. A morte do ídolo pop foi ocasionada provavelmente por uso- de remédio, um anestésico cirúrgico usado bestamente para dormir. Pode? Não é ridículo?



(Foto: Farra Fawcett)
E a Farrah Fawcett, considerada uma das pessoas mais bonitas da década de 70, sonho de beleza para a maioria das mulheres da época, morreu de câncer e teve sua agonia filmada o tempo todo para um documentário. Deve ter quem goste...

(Foto: Raffaela Bassi Massa com seu marido, Felipe Massa)
E o último foi Felipe Massa, que quase se foi também, por causa de uma mola.


(Foto: Raffaela Bassi Massa e seu marido, Felipe Massa)
Rico, famoso, com a mulher grávida e uma vida inteira pela frente, difícil imaginar uma forma de morrer tão estranha.


(Foto: Felipe Massa e Rubens Barrichello)
Uma mola? E ainda jogada do carro do Rubinho?


Às vezes precisamos pensar um pouco na nossa vida e no que fazemos. Por que sempre pode ter uma mola vindo na nossa direção. É só manter a calma e desviar. Seja de cavalo ou de Ferrari.

Fotos: Divulgação.

terça-feira, 21 de julho de 2009

O filho do assobiador

No primeiro dia de aula, cada aluno tinha que se levantar, em ordem alfabética, e dizer quem era. Como se chamava, se tinha irmãos, quem eram seu pai e sua mãe e o que seu pai fazia. Naquele tempo, era raro mãe fazer alguma coisa além de cuidar da casa. Só quem tinha profissão era o pai.

E o garoto disse a profissão do pai:

– Assobiador.

Foi uma gargalhada geral. A professora também riu. Depois disse:

– Não. Qual é a profissão do seu pai?

– Assobiador.

Mais gargalhadas. Foi quando o garoto descobriu que era diferente.

Que seu pai era diferente. Tinha uma profissão que nenhum outro pai tinha.

Assobiador, aquilo era profissão? A partir daquele dia, o Ademar, cujo pai era fiscal da Receita, passara a chamá-lo de Fiu Fiu.

***

Os pais dos outros tinham profissões normais. Nenhuma risível. E ele mesmo começou a desconfiar: o pai ganhava mesmo a vida como assobiador? Sabia que ele fazia shows, se apresentava em programas de auditório do rádio, às vezes ficava semanas fora de casa em excursões artísticas. Mas ganharia o suficiente para sustentar a família com aquilo, só com aquilo? Assobiando Granada e Fascinação e imitando passarinho?

***

O garoto perguntou ao pai se aquela era a sua única profissão. Assobiador. O pai disse que era. Que já trabalhara no comércio, mas como era um bom assobiador desde criança resolvera investir no seu dom. Não ganhava muito, mas dava, sim, para sustentar a família. Por quê?

– É que na escola riram de mim quando eu disse o que o senhor fazia.

O pai sorriu. Disse:

– Não é vergonha nenhuma ser filho de assobiador.

Mas quando teve que responder de novo o que seu pai fazia, o garoto disse:

– Médico.

Em outra ocasião:

– Advogado.

E começou a inventar profissões para o pai, variando de acordo com o interlocutor. Engenheiro. Contador. Dono de revendedora... Aos 18 anos, antes de levar sua primeira namorada séria para conhecer os pais, ele avisou em casa:

– Papai, para todos os efeitos, o senhor é cirurgião dentista.

E quando, durante a visita da namorada, o pai perguntou se ela não queria ouvir sua imitação de canário, pulou da cadeira e disse “Não!”

***

O pai participou de um programa de TV em cadeia nacional e foi uma sensação assobiando o Bolero de Ravel com acompanhamento de grande orquestra. Dias depois, ele encontrou na rua seu ex-colega de escola, Ademar, que exclamou:

– Fiu Fiu! Aquele na televisão não era o seu pai? Genial, cara! Genial!

E depois, como que lamentando a sua vida sem graça, disse:

– Pô, cara. Só posso imaginar como era ser filho de um assobiador, cara. Ter um assobiador em casa, um artista daqueles...

E então ele se lembrou de como, com quatro ou cinco anos, ficava ouvindo o pai assobiar. Sem saber que aquele era um pai diferente dos outros. Apenas maravilhado.

Luis Fernando Verissímo

Fonte: Donna DC § Diário Catarinense § Domingo, 19 de julho de 2009.

Para o dia do amigo


E para o Dia do Amigo, que foi ontem, vai uma crônica do Luis Fernando Verissímo, que saiu no Jornal Diário Catarinense dia 12 de julho.

Afinal, se nós fossemos escutar tudo o que falam por aí...




Microfone escondido

Leonor achou a ideia péssima, mas Ataíde insistiu: botar um microfone escondido no elevador do prédio seria muito divertido. Não queria ouvir o que os vizinhos diziam, subindo ou descendo pelo elevador. Os vizinhos não interessavam.

Divertido mesmo seria ouvir o que os amigos do casal diziam, chegando ou saindo do apartamento.

– Vai dar galho, Ataíde...

– Vai nada.

E Ataíde instalou um microfone no elevador.

***

O primeiro teste foi quando convidaram o Julio e a Rosa para jantar. Ataíde ouviu Julio dizer para Rosa dentro do elevador, na subida:

– Às onze horas a gente dá o fora.

– Acho que às onze ainda não serviram o jantar. Se eu conheço a Leonor.

– Não importa. Às onze nos mandamos. Amanhã eu tenho academia.

E Ataíde ouviu Julio dizer para Rosa dentro do elevador, na descida.

– Saco, Rosa. Uma hora da manhã. Você não viu eu fazer sinais pra gente ir embora?

– Aquilo era um sinal? Pensei que você estivesse limpando o ouvido.

***

Outro jantar. Aniversário do Ataíde. Os dois últimos casais saem juntos. Ataíde corre para ouvir o que vão dizer no elevador.

– O Ataíde está meio acabadão, tá não?

– Acho não. Pra idade dele.

– Também, ter que aguentar a Leonor...

No apartamento, Leonor se revolta.

– Quem disse isso? De quem é a voz?

– Parece a da Soninha – diz Ataíde.

– Cachorra!

***

Outro jantar. Ligam da portaria para anunciar que o sr. Marcos e a dona Lia estão subindo. No elevador, Lia diz:

– Se a Leonor servir salmão outra vez eu me mato.

Depois Lia não entende a frieza da Leonor com ela durante todo o jantar. Não sabe que Leonor teve que suspender o salmão que serviria. Que substituiu o salmão por um resto de pernil que, graças a Deus, ainda tinha na geladeira. Descendo no elevador, Lia comenta com Marcos:

– A Leonor enlouqueceu. Você viu? Serviu pernil com molho remolado pra peixe.

Leonor anuncia que nunca mais convidará Lia para nada.

***

Depois de um jantar para os amigos que ainda restavam, os melhores amigos do casal foram os últimos a sair. A Marjori e o Adão. Amigos chegadíssimos. Amigos de muito tempo. Depois das despedidas, depois de fechada a porta do elevador e do elevador começar a descer com Marjori e Adão, Ataíde hesitou. Talvez fosse melhor não ouvir o que os amigos iam dizer a respeito deles e do jantar, no elevador.

– Você acha? – perguntou Leonor.

– Melhor não. Você tinha razão. Não foi uma boa ideia botar esse microfone.

– Mas agora está posto. Vamos ouvir.

– Leonor... Nós vamos acabar brigando com todos os nossos amigos.

– Eu quero ouvir, Ataíde. Eu preciso ouvir o que a Marjori e o Adão estão dizendo!

***

O que ouviram foi o fim de uma frase, dita pelo Adão.

– ... cada vez mais chato.

– Viu só, Ataíde? – disse Leonor. – É sobre você.

– Por que eu? Tinha mais gente no jantar!

– Sei não, sei não.

E nunca saberiam. No dia seguinte Ataíde tirou o microfone escondido do elevador.