terça-feira, 21 de julho de 2009

Para o dia do amigo


E para o Dia do Amigo, que foi ontem, vai uma crônica do Luis Fernando Verissímo, que saiu no Jornal Diário Catarinense dia 12 de julho.

Afinal, se nós fossemos escutar tudo o que falam por aí...




Microfone escondido

Leonor achou a ideia péssima, mas Ataíde insistiu: botar um microfone escondido no elevador do prédio seria muito divertido. Não queria ouvir o que os vizinhos diziam, subindo ou descendo pelo elevador. Os vizinhos não interessavam.

Divertido mesmo seria ouvir o que os amigos do casal diziam, chegando ou saindo do apartamento.

– Vai dar galho, Ataíde...

– Vai nada.

E Ataíde instalou um microfone no elevador.

***

O primeiro teste foi quando convidaram o Julio e a Rosa para jantar. Ataíde ouviu Julio dizer para Rosa dentro do elevador, na subida:

– Às onze horas a gente dá o fora.

– Acho que às onze ainda não serviram o jantar. Se eu conheço a Leonor.

– Não importa. Às onze nos mandamos. Amanhã eu tenho academia.

E Ataíde ouviu Julio dizer para Rosa dentro do elevador, na descida.

– Saco, Rosa. Uma hora da manhã. Você não viu eu fazer sinais pra gente ir embora?

– Aquilo era um sinal? Pensei que você estivesse limpando o ouvido.

***

Outro jantar. Aniversário do Ataíde. Os dois últimos casais saem juntos. Ataíde corre para ouvir o que vão dizer no elevador.

– O Ataíde está meio acabadão, tá não?

– Acho não. Pra idade dele.

– Também, ter que aguentar a Leonor...

No apartamento, Leonor se revolta.

– Quem disse isso? De quem é a voz?

– Parece a da Soninha – diz Ataíde.

– Cachorra!

***

Outro jantar. Ligam da portaria para anunciar que o sr. Marcos e a dona Lia estão subindo. No elevador, Lia diz:

– Se a Leonor servir salmão outra vez eu me mato.

Depois Lia não entende a frieza da Leonor com ela durante todo o jantar. Não sabe que Leonor teve que suspender o salmão que serviria. Que substituiu o salmão por um resto de pernil que, graças a Deus, ainda tinha na geladeira. Descendo no elevador, Lia comenta com Marcos:

– A Leonor enlouqueceu. Você viu? Serviu pernil com molho remolado pra peixe.

Leonor anuncia que nunca mais convidará Lia para nada.

***

Depois de um jantar para os amigos que ainda restavam, os melhores amigos do casal foram os últimos a sair. A Marjori e o Adão. Amigos chegadíssimos. Amigos de muito tempo. Depois das despedidas, depois de fechada a porta do elevador e do elevador começar a descer com Marjori e Adão, Ataíde hesitou. Talvez fosse melhor não ouvir o que os amigos iam dizer a respeito deles e do jantar, no elevador.

– Você acha? – perguntou Leonor.

– Melhor não. Você tinha razão. Não foi uma boa ideia botar esse microfone.

– Mas agora está posto. Vamos ouvir.

– Leonor... Nós vamos acabar brigando com todos os nossos amigos.

– Eu quero ouvir, Ataíde. Eu preciso ouvir o que a Marjori e o Adão estão dizendo!

***

O que ouviram foi o fim de uma frase, dita pelo Adão.

– ... cada vez mais chato.

– Viu só, Ataíde? – disse Leonor. – É sobre você.

– Por que eu? Tinha mais gente no jantar!

– Sei não, sei não.

E nunca saberiam. No dia seguinte Ataíde tirou o microfone escondido do elevador.

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